Quem realmente é ídolo do Timão?
Opinião de Walter Falceta
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Imagine que você tem no pé uma profunda ferida, maior do que uma moeda de um real, mas engana o médico para entrar em campo e enfrentar o maior rival.
Agora, é você de novo, com febre de 39,5 graus, mas finge que está bem porque o time precisa de sua ajuda para garantir aquela sonhada classificação.
Nos dois casos, você rala no gramado e dá conta do recado. Pois bem, é nessas horas que um reles mortal evolui para ídolo do Time do Povo.
Nos casos acima, estou falando de dois queridos ex-jogadores, o médio-direito Idário e o lateral-esquerdo Wladimir. Esses dois, pela garra, pela determinação e pelos resultados entregues à torcida, alçaram-se à nossa galeria de heróis.
Fico, portanto, constrangido quando o termo “ídolo” é utilizado para definir figuras que ganham fortunas, fracassam em campo e, com desculpas esfarrapadas, pulam do barco antes de uma importante partida contra a agremiação da Pompeia.
Vale, então, esmiuçar a palavra ídolo. Vem do grego Eidolon, que significa imagem mental, aparição, aspecto idealizado. É a criatura viva ou ficcional que se presta à adoração por sua habilidade, força, coragem, generosidade e inteligência. É alguém em quem confiamos, e que, de alguma forma, nos inspira.
No Coringão, portanto, não basta ser um bom jogador. É preciso ser também um louco do bando. Nosso primeiro ídolo, Neco, subiu a essa categoria por marcar gols importantes, mas também por distribuir cintadas e por invadir o prédio da sede a fim de recuperar nossos troféus, sob custódia do senhorio.
O magnífico Tuffy foi ídolo por ser o eficiente guarda-metas do timaço Campeão dos Campeões. Entretanto, era também o cara da elegância, da boa índole, das artes e da solidariedade.
O incrível lateral-direito Zé Maria jogou com a camisa banhada em sangue. Era pura raça, mas jogando sempre de forma limpa, com respeito ao adversário. Depois de aposentado, foi trabalhar com jovens em conflito com a lei. É um cidadão exemplar.
O Doutor Sócrates resgatou a reflexão proposta pelos fundadores, em 1910. Seu futebol genial se fundia à luta por democracia, por justiça e por direitos universalizados, a partir do amor fraternal que une os corinthianos.
Neto, à sua maneira, naquela raça rebelde, nervosa, de pura emoção, também inspirou muito moleque a queimar o joelho no tapete da sala ao comemorar um gol de ficção. Talvez você seja um deles.
Outras meninas e meninos, em brincadeiras semelhantes, gritaram: "espalmaaaa Ronaaaaldo". Lembra?!
Como jornalista e pesquisador da história corinthiana, tive o privilégio de conhecer pessoalmente muitas dessas sensacionais figuras. Em minha opinião, quem restou dessa seleta família de ídolos foi o goleirão Cassio, pela persistência, pela coragem e pelos resultados.
Outros por aí poderiam ter se tornado ídolos. Mas perderam essa oportunidade quando se deixaram levar pela irresponsabilidade, pela egolatria e pela ganância.
Um exemplo: penso que Paolo Guerrero, se tivesse paciência e reverência pelo nosso Corinthians, um dia ganharia um busto no Parque São Jorge. Trocou de emprego, no entanto, como quem troca de hotel. Desprezou o amor da Fiel e, punido pelos deuses bola, seu futebol logo sumiu.
Nesta era de modernidade e "business", jogadores entram e saem dos clubes sem estabelecer vínculos afetivos com a torcida. São mercadoria do shark-market da bola. Vão para cá e para lá, desde que aumentem suas fortunas. Aceitam sem contestação as transações mais bizarras, destinadas também a enriquecer os empresários e cartolas que lucram com rachadinhas.
Os ídolos de verdade, como Luizinho, o Pequeno Polegar, estão acima, muito acima, dessas relações de troca impostas pelo esporte mercantilizado. Lógico, eram profissionais, sustentavam suas famílias, mas ao mesmo tempo sabiam que a missão sagrada no futebol transcendia as obrigações trabalhistas.
Os tempos mudaram e os ídolos já são raríssimos. Muitos craques (ou perebas de belo marketing) olham para o torcedor como mero cliente e fonte de recursos. A gente entende que cada um faz seu corre para ganhar a vida e se garantir. Mas no futebol dos grandes clubes é preciso mais do que isso. Para se tornar um ídolo de verdade, o atleta precisa representar cada um de nós. Precisa ser você em campo.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.