Nesta quinta-feira, o Corinthians anunciou que Alexi Stival, o Cuca, é o novo técnico da equipe. O anúncio trouxe a revolta de parte da torcida por conta da condenação por abuso sexual de uma criança de 13 anos que o treinador teve em 1989.

Mas que condenação é essa? O Meu Timão relembra o caso e te explica, torcedor, a condenação do treinador. Confira tudo abaixo!

Alguns adendos importantes

Antes de relatar a história e a condenação em si, é necessário frisar alguns pontos:

• Mesmo tendo se passado 30 anos do ocorrido, pouco se tem acesso ao processo em si. A Suíça conta com lei de proteção de dados que varia de caso a caso. Nesse, por se tratar de algo íntimo, a liberação do processo só pode ocorrer em três situações, conforme apurado pelo UOL em parceria com uma jornalista suíça:
  • Por força da lei;
  • Por uma decisão judicial;
  • Autorização da vítima.
• No entanto, se sabe que os quatro jogadores envolvidos foram enquadrados no artigo 187 do Código Penal da Suíça, que diz:
  • "Uma pessoa pode ser punida por até cinco anos de custódia ou fiança por: 1. Ter uma relação sexual com uma pessoa que tem menos de 16 anos; 2. Incitar uma criança menor de 16 anos a ter uma relação sexual; 3. Envolver uma criança de 16 anos em uma relação sexual".
• É difícil se ter noção da história estando no Brasil, pois maior parte das notícias parte de relatos dos jogadores envolvidos ou de funcionários do Grêmio na época. Portanto, o Meu Timão foi atrás de jornais locais e encontrou uma matéria de 1989, ano da sentença, do Der Bund, jornal suíço que segue em circulação até os dias atuais, que explica o caso.

O caso

Em julho de 1987, o Grêmio realizou uma excursão rumo a Berna, na Suíça, para disputar a Philips Cup Bern, um torneio amistoso que reunia equipes de todo o mundo. Naquela edição, os gaúchos enfrentaram o Benfica, de Portugal, e os suíços Young Boys e Neuchatel Xamax.

Dentre os relacionados para disputar a competição estavam os quatro envolvidos - a idade citada é a que eles tinham na época:

• Cuca, atacante de 24 anos;
• Eduardo Henrique Hamester, mais conhecido como Chico, goleiro de 19 anos;
• Henrique Arlindo Etges, zagueiro de 21 anos*;
• Fernando Castoldi, mais conhecido como Fernando Gaúcho, atacante de 22 anos.

*Vale lembrar que Henrique atuou pelo Corinthians já condenado entre os anos de 1992 e 1997, entrando em campo 292 vezes pelo clube. Confira detalhes de sua passagem clicando aqui.

Reprodução / Agência Estado

Dia 30 de julho de 1987, às vésperas da final entre Grêmio e Neuchatel Xamx-SUI, uma garota de 13 anos, que terá seu nome preservado, foi acompanhada de um colega ao Bern Hotel Metropole, hotel em que o elenco gremista estava hospedado, para pedir autógrafos. No caminho, encontraram outro amigo, que se juntou a eles. O trio rumou à hospedagem, conforme explica o jornal Der Bund.

Quando chegaram na entrada do local, o trio encontrou Cuca e companhia, abordando-lhes pedindo autógrafos e uma possível troca de camisas. Os jogadores aceitaram, mas falaram para fazer isso no quarto de um dos gaúchos.

Chegando lá, porém, os jogadores não quiseram realizar a troca e começaram a assediar a garota, a beijando e tocando-a, segundo testemunhas ouvidas pelo jornal. Ela teria negado e se defendido das investidas. Em seguida, os jogadores teriam, sem violência, retirado os dois rapazes que acompanhavam-na do quarto e fechado a porta, trancando-a por dentro. A última visão, segundo depoimento citado pelo Der Bund, seria da jovem sendo atirada na cama do quarto.

A dupla de acompanhantes teria pedido ajuda para os funcionários do hotel, sem sucesso. A menina e os quatro jogadores ficaram fechados lá por cerca de 30 minutos.

Depois, a jovem deixou o quarto "visivelmente confusa" e foi ao encontro de seus companheiros vestida com uma camisa e calça do Grêmio. Em seguida, foi para casa e, junto de seus pais, à delegacia para registrar queixa. O texto do jornal suíço diz que a vítima teria dito que Cuca, Eduardo e Henrique teriam a forçado a ter relações sexuais e "semelhantes ao coito". Fernando não participou do ato, mas ajudou os demais jogadores a despir a garota. O quarteto gremista foi preso logo em seguida. Relatos da final indicam que nenhum deles chegou a entrar em campo, mas não dizem se eles já estavam presos quando a partida ocorreu.

Reprodução / Placar

O jornal conta que no primeiro interrogatório todos negaram terem tocado na garota. No segundo, porém, Cuca, Eduardo e Henrique confessaram que houve a relação sexual, mas com consenso por parte da jovem. O veículo complementa dizendo que nos relatórios forenses realizados, encontraram vestígios de esperma de Cuca e Eduardo no corpo da garota.

Os quatro jogadores envolvidos foram presos e passaram um mês detidos em Berna, mas após pagarem multa de 7 mil francos suíços foram liberados. Logo em seguida retornaram ao Brasil.

A vítima pós-ocorrido

Como a matéria do Der Bund é de 1989, dois anos depois do ocorrido, ele conta como a garota ficou após o ato. Segundo seu médico, a jovem ficou com graves transtornos mentais depois do ocorrido e tentou suicidar-se em 1988.

A sentença e o que diz a lei

Mesmo sem os acusados, a Justiça suíça seguiu com o processo e, em 1989, dois anos depois, houve sua resolução. Enquadrados no artigo 187 do código penal suíço - explicado acima -, Cuca, Eduardo e Henrique teriam que cumprir 15 meses de prisão, além de pagarem multa. Já Fernando foi condenado a três meses de prisão e pagamento de multa por ter sido cúmplice. Ainda, os quatro teriam que pagar, proporcionalmente, os gastos da vítima com advogados e outros custos que ocorreram no decorrer do processo.

Reprodução / Placar

Vale destacar que Cuca se defende da acusação citando que foi julgado à revelia, isto é, sem se defender. Acontece que nenhum dos jogadores acusados compareceu ao julgamento. Porém, o Grêmio estava a par da situação e todo o processo contou com acompanhamento do departamento jurídico do clube, além de representantes no momento. Luiz Carlos Pereira Silvestre, mais conhecido como Cacalo, vice-presidente jurídico do clube gaúcho naquele período, contou, em entrevista ao UOL, que foi o representante jurídico dos jogadores.

Cumpriu ou não a pena?

Condenados, os jogadores teriam que ir até a Suíça para cumprir a pena, o que nunca ocorreu. Ou seja, os jogadores nunca cumpriram a pena. Acontece que o Brasil não extradita cidadãos brasileiros, logo, o quarteto teria que ir por vontade própria à Europa para cumprirem a sentença, o que também nunca ocorreu. Trazendo para a atualidade, o caso é similar ao que está acontecendo com o atacante Robinho, condenado por estupro na Itália.

Assim, o tempo foi passando e o processo prescreveu. O artigo 99 do Código Penal da Suíça indica que se passar 15 anos de uma sentença de um a cinco anos de reclusão, o condenado não precisa cumprí-la.

"O culpado tem o direito de executar a sentença apenas até as seguintes limitações de tempo: 30 anos se for sentença perpétua; 25 anos se for sentença de dez ou mais anos; 20 anos se for sentença de cinco a dez anos; 15 anos se for sentença de um a cinco anos; 5 anos se for qualquer outro período de sentença".

Como Cuca foi condenado em 1989 a 15 meses de prisão, a condenação prescreveu em 2004.

Reprodução / Código Penal Suíço

Condenado se defende

Cuca nunca havia falado do caso desde então. Apenas em 2021, o agora técnico concedeu entrevista à colunista Marília Ruiz, do UOL, e falou sobre o que ocorreu em Berna, na Suíça, no ano de 1987. Durante a conversa, Cuca lamentou a condenação tardia e se defendeu:

"Topo falar com você, Marília. Qual o problema? Sou uma pessoa do bem, vivo numa família de mulheres, 90% da minha família são mulheres! Esse episódio de 1987 precisa ser explicado. Eu estava no Grêmio havia duas ou três semanas apenas, não conhecia ninguém. Eu jamais toquei numa mulher indevidamente ou inadequadamente. Sou um cara de cabeça e consciência tranquila. Tenho a consciência tranquila", disse o Cuca à jornalista.

"Não fui julgado e culpado. Fui julgado à revelia, não estava mais no Grêmio quando houve esse julgamento com os outros rapazes. É uma coisa que eu tenho uma lembrança muito vaga, até porque não houve nada. Não houve estupro como falam, como dizem as coisas. Houve uma condenação por ter uma menor adentrado o quarto. Simplesmente isso. Não houve abuso sexual, (não houve) tentativa de abuso ou coisa assim", concluiu.

No entanto, como dito por Cacalo, o julgamento contou com acompanhamento do departamento jurídico do Grêmio e o próprio disse que foi o representante jurídico de Cuca, Henrique, Eduardo e Fernando no tribunal. "Acho que ele se enganou nisso aí", disse em entrevista ao UOL.

"Na Suíça funciona assim: um juiz faz a instrução toda do processo, ouve as partes, as testemunhas, quantas vezes ele quiser. Depois que instrui o processo, toma todos os depoimentos, colhe todas as provas, quem julga é um outro juiz. E aí acontece um julgamento sumário, simplesmente apresenta a sentença", contou Cacalo.

Reprodução/YouTube

O cartola, porém, afirma que apenas um dos jogadores teve relação consensual com a vítima, mas não diz quem.

"Todos foram condenados pela participação. Um deles teve relação consentida. Os outros, como não houve uma prova definitiva e, na verdade, não mantiveram relação, foram condenados por estarem ali", contou e complementou dizendo que o Grêmio, aliado ao governo brasileiro, tentou realizar um lobby pela libertação dos atletas quando estavam presos em 1987, mas sem sucesso.

"A Justiça era muito radical, muito dura, muito severa. Houve pedidos do embaixador, do cônsul, mas nada, absolutamente nada, fez com que o juiz liberasse os atletas sem que estivesse exatamente dentro da lei. Não funciona lobby, não funciona nenhuma atividade, não serve para nada que não seja exatamente dentro do processo", encerrou.

Cuca encerrou sua carreira como jogador profissional em 1996. Virou técnico em 1998 e agora, em 2023, assume o comando técnico do Corinthians.

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