Corinthians nossa história
Opinião de Rafael Castilho
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No início eu não entendia muito bem. Lembro-me do meu pai me levando pela mão. Entrou comigo numa Kombi. Lá, outros homens me olharam com satisfação. Pareciam ter um segredo. Algo que eu estaria prestes a descobrir, mas que ainda não era tempo de contar.
Encontrei um canto na Perua e sentei-me ao lado do meu pai. Os outros homens sorriam com bocas largas e sorrisos fartos. Falavam alto. De sorrisos passavam para as gargalhadas. Eu olhava a paisagem pela janela. De repente ouvia buzinas. Mais buzinas. Palavras que não entendia muito bem, mas que compreendi depois que eram os palavrões. Me foi permitido repetir os palavrões. A Perua estacionou.
Vem, desce! Meu pai agora segurava minha mão com força. Me deu uma bronca preventiva. Mandou prestar atenção. Agora todos falavam gritando. Minha memória daquele dia não inclui paisagens. Sequer me lembro do estádio por fora. Só consigo me lembrar da multidão. Era muita gente. Da arquibancada eu me lembro, mas não me lembro do jogo. Lembro dos sustos que levei quando todo mundo de repente gritava muito alto. Permaneciam gritando muito e pulando por um bom tempo.
Era um gol do Corinthians! As pessoas gritavam: CORINTHIANS!!! CORINTHIANS!!!!
Com o tempo as coisas foram clareando na minha cabeça. Meu pai me mostrava a camiseta do Corinthians que esteve pendurada na porta da maternidade. Toda rabiscada pelos meus tios. Eu sempre pedia para minha mãe e ela caçava no armário e me mostrava aquela camiseta dizendo que um dia eu coube naquele espaço.
Depois percebi que meu pai e meu tio ficavam em frente à tevê. Eu passava na frente da televisão e tomava uma bronca. Saia de perto da televisão e era convidado a ficar no sofá com eles. Fiquei! Nunca mais saí. Lembro do Sócrates. Lembro que ele fazia os gols no cantinho. Que colocava a bola de um jeito que parecia uma tacada de sinuca. A bola seguia uma trajetória constante e firme. Não parecia ser veloz, nem violenta, mas o goleiro não alcançava. Até o gol era inteligente. Gol do Corinthians! Os gritos e pulos se repetiam. Qual criança não gosta disso? Qual criança não curte uma bagunça? Lembro de como eu via o Biro-Biro. Gostava do nome. Era sonoro e parecia coisa de criança. Também adorava aqueles cabelos dele. Parecia que tinha sido fabricado para que as crianças passassem a gostar do jogo. Eu olhava o Wladimir, olhava o Zenon (esse era o do bigode) e tinha o Casagrande. Outro nome que me chamava atenção. Seria esse mesmo o nome dele? Casa Grande. Quando eu vi o Casagrande minha vida mudou. Eu queria ser o Casagrande. Eu sempre fui louco pelo Casagrande. Eu era o Casagrande.
Lembro do rádio que repousava solene na sala de casa. Você ligava e acendiam luzes. Uns ponteiros que subiam e desciam na medida em que o locutor falava e gritava. Naquele tempo não passavam tantos jogos na tevê. Então fui ficando ao lado do rádio. Era mágico.
Teve um jogo que tudo parou. Era diferente dos outros. A casa cheia. Era a final do campeonato. O que era final? Será que depois daquele jogo tudo acabaria? Não haveria mais essa brincadeira? O que seria do Corinthians?
Logo fui impactado por aquela camisa preta de listras brancas. Aquilo foi definidor. Mudou a minha vida para sempre. O Corinthians realmente era diferente. Que coisa fantástica era aquela camisa preta com as listras brancas. Era realmente mágico.
No meio das canetas! Meu pai gritou que o gol foi no meio das canetas. O locutor repetiu na televisão. Então tá! Era no meio das canetas. O que eram as canetas? Entendi que eram as pernas do goleiro do time do meu primo. O Biro-Biro fez um gol no meio das canetas e saiu comemorando de um jeito que parecia uma brincadeira. Ele parecia um personagem de desenho animado ou de quadrinhos. Fez outro gol. No final o Casagrande marcou. Entendi o que era ser campeão. No ano seguinte ouvia muito falar em Democracia, mas meus pais ainda falavam em voz baixa. Quando eu perguntava o que era a Democracia Corinthiana eles diziam que era pra falar disso dentro de casa. Minha mãe fez um bolo. Era o bolo do Corinthians. O Sócrates fez mais um daqueles gols colocados. Era incrível. Novamente campeões. Era legal aquela coisa.
Olhamos pela janela. A avenida estava tomada. Meu pai desceu comigo. Onde passavam os carros normalmente, eu podia agora correr e pular. Meu pai me vestiu com uma camiseta dos Gaviões da Fiel. Entramos no boteco. Um adulto me segurou pelos braços. Parecia que eu ia voar. Me jogou para o alto três vezes. O bar inteiro gritava. Meu pai abraçava os amigos.
Até agora, pouco falei de ti, Corinthians. É porque no início você foi para mim um conjunto de sensações. Uma confusão de emoções, de projeções. Percebi com o tempo que você é assim para todo mundo, Corinthians. Por isso você é diferente. Você não é o time de futebol. Não é por aí que a gente se apaixona. A gente se encanta mesmo é na experiência de ser corinthiano que vai tomando nossa vida até que não exista mais fronteira entre o que a gente é e o que é você. Nós somos o Corinthians. O Corinthians é a gente. Não há espaço entre uma coisa e outra. O Corinthians vive dentro da gente, do mesmo jeito que vive a consciência.
E foi assim desde o início. Os trabalhadores operários que te criaram estavam “somente” sonhando. Havia sim uma importante necessidade de recreação da classe operária paulista naquele início de Século XX. Mas existia também o desejo. Havia o gosto. Havia a necessidade de extravasar. Como os homens das cavernas desenhavam nas paredes, o Corinthians surge com essa necessidade de expressão. De representação da própria existência. De resolver algo importante que está dentro de nós.
Assim como o homem criou a música. Ninguém sabe. Não deve ter iniciado como uma técnica. Depois sim, passo a passo foi desenvolvido algo sublime. Mas no começo era só a necessidade física, mental e espiritual de cantar. O som é como o Corinthians. Não se toca, mas é possível sentir. Ele vai flutuando por nossa mente até mesmo quando tudo é silêncio. Ele habita na nossa cabeça. O Corinthians, como a música, foi criado com a alma.
Nós, corinthianos e corinthianas, celebramos muito a fundação do nosso clube. Mas por que nos emocionamos tanto com os aniversários do Corinthians?
Porque a fundação do Corinthians é o momento mais sublime e definidor de nossa história. O momento da fundação é uma passagem sagrada que sempre nos orientará para que nunca esqueçamos de quem somos.
Existem outros clubes no mundo repleto de conquistas e glórias, alguns até com histórias bem interessantes. Mas nada se compara ao Corinthians. Aqueles trabalhadores, no meio da madrugada, provavelmente exaustos pelo dia de trabalho. Iluminados por um lampião. Cheio de ideias. Inebriados de sonhos.
São 111 anos e o Corinthians continua sendo fundado e refundado permanentemente. Precisou, ao longo de todos esses anos, desde seu primeiro dia, lutar pela sua existência. Superar inimigos externos e algumas vezes internos também. A história do Corinthians é uma história de resistência. De superação. De luta contra preconceitos e estigmas.
O corinthiano já nasce com essa casca. Já sabe o que significa vestir essa camisa. Conhece bem os olhares dos outros sobre nós.
O corinthiano aprendeu desde o início a ressurgir. A perseverar. A ter presença de espírito.
Nesse aniversário em que sua idade tem três vezes o número um, que seja mais um recomeço. Que olhemos bem para esse algarismo e lembremos do nosso começo. Que sejamos orientados por nossos fundadores. Que estejamos protegidos espiritualmente, cada um na sua fé.
Que nosso lampião nos ilumine. Que seja um farol para nosso amado clube e para o nosso povo, pois não existe o Corinthians sem a sua gente.
Como disse nosso primeiro presidente. O Corinthians será o clube do povo e será povo que irá fazer o Corinthians.
Como te amamos Corinthians. Para ti damos todo o nosso amor. Pois você também deu para nós os melhores dias, os melhores minutos e os instantes mais encantados de nossa existência!
Vai Corinthians!!!
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.