'Burro, retranqueiro e dependente da individualidade'
Opinião de Tomás Rosolino
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A frase que domina o título da coluna é ofensiva, mas talvez uma das mais leves que você vai encontrar ao checar comentários em redes sociais sobre o técnico Sylvinho, que abriu na terça-feira a sua segunda temporada no comando do Corinthians. Mas ela foi tirada de outro momento da história do clube.
O ano é 2005 e o Corinthians, depois de um 2004 sofrível, salvo pelo técnico Tite, contratou estrelas mundiais para o seu time. Carlos Tevez, o jogador Sub-23 mais cobiçado do planeta, foi contratado por 22 milhões de dólares em dezembro - mais caro que nomes como Deco, adquirido pelo Barcelona, e Robben, comprado pelo Chelsea.
Junto com ele chegaram o zagueiro Sebá Domínguez, campeão argentino pelo Newell's, o meia Roger, que estava no Benfica, e o meia-atacante Carlos Alberto, que marcara gol na final da Liga dos Campeões apenas seis meses antes. Os Galácticos corinthianos - referência ao Real Madrid da época - estavam formados.
O problema é que Tite não parecia estar à altura do desafio para a torcida. Lembrava isso perfeitamente de cabeça, mas uma pesquisa sobre o jogo de estreia de Tevez, que completa 17 anos neste sábado, me fez relembrar quão absurdas algumas coisas podem parecer com o passar dos anos.
A manchete da Folha de S. Paulo do dia seguinte à estreia exprime a insatisfação da torcida com Tite, que não colocou Dinelson em campo. Para piorar seu moral, ainda lançou Marinho para segurar o ataque adversário na reta final do jogo pois achava que o time estava cansado.
"Burro, burro, burro" ecoou pelo Morumbi, alugado especialmente para a ocasião. Tite era retranqueiro e ainda assumiu ter sido "conservador" na escolha. Sobre o pênalti da vitória, batido por Coelho, ele assegurou que o lateral da base seguiria como batedor mesmo com a chegada de Tevez.
Dali em diante, falou várias em "processo" de "construção" para dar um padrão ao time. Aos 44 anos, mesmo com uma Copa do Brasil no currículo e outros trabalhos no país, era pressionado pelas escolhas. Não durou mais duas semanas no cargo, sendo demitido por Kia Joorabchian, dono da MSI, após uma derrota para o São Paulo. O time era dependente das individualidades e a torcida queria mais.
Sei que já vai ter muita gente pegando a correlação, me xingando a essa altura e lembrando que, diferentemente de Sylvinho, não era o primeiro trabalho do Tite, que ele tinha ido melhor no próprio Corinthians e que, querendo ou não, o time acabou aquele ano campeão brasileiro. Tudo fato.
Mas é tão fato quanto Tite ter se mostrado, mesmo naquela época, o melhor treinador do clube em um longo período de tempo, capaz de identificar a necessidade de cada momento e de formar, cinco anos depois, uma base para o maior trabalho de um técnico brasileiro neste século. Poderia ter começado antes? Impossível saber.
Eu mesmo já tive momentos em que achei que a saída de Sylvinho era o melhor para o Corinthians, que a equipe não engrena e sou, hoje, voz raríssima nos grupos de amigos por achar que ele deve ser mantido no cargo. A insatisfação é geral e tem seus pontos justíssimos, ainda que eu discorde da necessidade de troca.
Reviver a primeira passagem de Tite, hoje tão celebrada por quem viveu aqueles dias - e os péssimos 2006 e 2007 que se seguiram - me fez pensar sobre como o futebol é claramente cíclico e, a menos que se ganhe tudo sempre, haverá desejo por mudança no cargo de treinador.
Sylvinho, na opinião deste que vos fala, erra bastante, mas tem muitos méritos na utilização e estabelecimento da base, é elogiado internamente e nas entrevistas dos jogadores, além de ser uma opção barata para o clube em uma função cada vez mais estimada e cara. Se for para trazer o Klopp, beleza, mas todos sabemos que não virá alguém de nível A (ou até B) da Europa. Por isso mantenho minha aposta neste início de 2022.
Por último, ainda cito uma entrevista que Renato Augusto deu para a Folha de S. Paulo, publicada neste sábado. Para o camisa 8, que viveu ambas as épocas, há o que se comparar até com a segunda passagem de Tite, na qual o treinador não conseguiu manter o nível de campeão mundial em 2013.
"O Tite, antes de ser um grande treinador vitorioso no clube, pediram que fosse embora. Não queriam mais ele aqui, e depois se tornou o que é hoje. Nada como o tempo para resolver pendências, para consolidar um trabalho", avaliou.
Afora o discurso razoavelmente padronizado sobre o caso, vejo verdade na fala do Renato e creio que todos no elenco estão confiantes em resultados em 2022. Não sou só eu que fico mais velho a cada temporada e os experientes sabem que a janela para ganhar está se fechando. Ninguém correria o risco de não competir em alto nível se não acreditasse realmente na capacidade do comandante. Por enquanto, fecho com essa visão.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.
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