Florencio Lesbhers
O ano era 1973. Ou 74, já não me lembro ao certo.
Meu pai era corretor de imóveis, em uma imobiliária que ficava no Alto da Lapa, Rua Cerro Corá. Morávamos no Tatuapé. Uma viagem.
Um domingo, eu ainda pequeno, fui trabalhar com meu pai.
A tarde, cansado de não fazer nada, liguei o rádio do Corcel azul para ouvir o jogo do Corinthians no Morumbi. Não me lembro o adversário, lembro que o jogo acabou empatado e que Rivelino sofreu uma contusão seria, suspeitavam de fratura no pé.
Acabou o jogo e o plantão de meu pai também, voltávamos para o Tatuapé com o rádio ligado. Naquele tempo, após o jogo tínhamos o 'Show do Rádio' na Jovem Pan, acho que era esse o nome do programa. Era um programa humorístico que misturava ficção com realidade, nós adorávamos.
No meio da programação o anúncio de que Rivelino seria levado para uma clínica na Praça Santa Therezinha no Tatuapé, onde nós estávamos passando exatamente com destino á nossa casa, próxima do Anália Franco. Pedi para meu pai parar o carro ali, e ele topou.
Estacionamos diante da clínica e os carros de reportagem começaram a chegar em seguida.
Meu amigo de escola, o Miltinho, estudávamos no Oswaldo Catalano, morava exatamente na casa ao lado da clínica. Ele abriu a porta, via a confusão e não sabia de nada.
'Rivelino está vindo aqui' falei.
'Você está louco' Miltinho retrucou.
Uma Kombi branca com o símbolo do Corinthians para em frente a clinica.
Eu encosto na porta do passageiro para ajudar meu ídolo, que estava com a camisa branca e suada do jogo, calção preto e sem meias, só de havaianas. Miltinho, corinthiano como eu, ficou de boca aberta.
Acompanhamos ele até a entrada da clínica, junto com os repórteres que ficavam fazendo perguntas e narrando o momento para as rádios.
Fui embora feliz da vida; tinha ficado ao lado de meu ídolo, por alguns momentos.
Muitos anos se passaram.
E no meio dos anos 90, nossa turma de amigos jogava futebol society nas quadras do Rivelino, perto do Shopping Morumbi, toda segunda feira á noite.
Depois do jogo, cerveja no barzinho local.
E quem estava sentado sozinho em uma mesa perto do caixa?
Ele mesmo.
Já não estava mais rodeado de jornalistas e fans, era apenas o dono das quadras fazendo sua contabilidade de alguma coisa.
A vida é impressionante, muda muito, não dá para acreditar que alguém que antes vivia rodeado de jornalistas e admiradores, quase inalcançável, estava exatamente ali sozinho.
Já fui me aproximando, estendi a mão e o cumprimentei, sentei na cadeira ao lado, mesmo não sendo convidado.
Contei sobre aquele dia na Praça Santa Therezinha.
Ele comentou:
'Puxa é verdade, me lavaram pra lá para tirar uma radiografia, graças a Deus não deu nada.'
Disse a ele o quanto eu o admirava, que sou corinthiano desde que me lembro por gente, de como eu torcia para ele na Copa de 70, o orgulho que tínhamos dele e do goleiro Ado, representando nosso time no melhor time do mundo de todos os tempos.
Disse á ele que para mim, Rivelino foi o maior de todos, nosso orgulho para sempre.
Me despedi,
Olhei nos olhos dele que estavam brilhando, os lábios tremiam levemente.
Acho que naquela noite consegui fazer o Reizinho do Parque balançar.
