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Seu passado é uma bandeira
Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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Seu passado é uma bandeira

Bandeirão foi descartado pelo Corinthians

Foto: Divulgação / Twitter Neo Química Arena

Eu olhava encantado. Uma fila imensa de corinthianos seguia com um passo firme e vocacionado. Carregavam no dorso um fardo pesado, mas que proporcionava uma recompensa magnífica.

Era impossível não associar com a devoção de alguns penitentes religiosos em que a dor da cruz só poderia lhes trazer regozijo e esplendor em seus corpos e suas almas.

Quando cruzava esse imenso movimento de torcedores para carregar o bandeirão do Corinthians eu parava por alguns instantes. Admirava aquele momento. Considerava muito especial. Talvez, a expressão material, visível e simbólica do corinthianismo.

Sim, porque ali eu conseguia ver o Corinthians em sua essência. Um grupo imenso de trabalhadores, em regime de cooperação, caminhando juntos em torno de um mesmo propósito. Ainda que pesado aquele fardo, é algo que se pode carregar. Sozinho, nenhum torcedor poderia suportar ou deter em seus braços tamanho gigantismo. Mas todos juntos, de maneira coordenada, distribuindo o peso, os deveres, o orgulho de maneira adequada, sim, isso pode ser possível.

Nessa tarefa, o que prevalece não são as individualidades. Quantas vezes não vi aqueles homens com seus bonés, quase que sem rostos visíveis. Ou todos naquele momento com o mesmo rosto. Com a mesma expressão. Com a mesma satisfação. Levando o Corinthians em suas costas.

Quantas vezes saía do estádio e já apressado em voltar para casa, esgotado, com fome, com sede, com sono, eu cruzava essa galera que ainda teria muito trabalho. Me punha a pensar como seria o resto de noite deles. Teriam que deslocar aquele bandeirão, armazenar, guardar adequadamente. Só depois disso poderiam ir para as suas casas. Talvez não houvesse mais condução. Eu os observava em silêncio. intimamente eu rezava por eles. Eram corinthianos dedicados.

Valeria à pena tudo isso? Certamente deveriam ouvir isso o tempo todo. Sim, valia muito a pena. Estavam levando o Corinthians consigo. O que poderia ser mais importante? Ainda que ninguém soubesse os seus nomes. Eles sabiam o que estavam fazendo pelo Corinthians e o que estavam fazendo por si mesmos. A vida tinha ali um sentido todo especial. Eles eram seres humanos necessários para um mundo muito melhor.

Lembro que estive sob aquele ‘maior bandeirão do mundo’ no primeiro jogo em que ele foi aberto, no Morumbi, contra o Palmeiras. Bandeirão esse que foi eternizado no Maracanã, na final do nosso primeiro Mundial de Clubes. Estive sob outros tantos bandeirões. Que emoção eu sentia.

Sintomático que tenha ido para o lixo, sem a menor consideração, justamente o bandeirão com os dizeres: “TIME DO POVO”. Isso diz muito sobre o que temos vivido no Corinthians.

Alguns dirão que se fazia necessário abrir espaços na Arena. Outros que não ha um jeito fácil de descartar um material dessa natureza.

O que eu posso dizer é que o nosso torcedor tem uma dificuldade imensa em descartar qualquer simples objeto que contenha o nosso distintivo. Na casa de cada um de nós existe uma espécie de santuário com camisetas antigas, bandeiras de pano, bandeirolas de plástico distribuídas antes dos jogos, recortes de jornais e revistas, panfletos.

Além do apego e do evidente instinto de acumulação, o corinthiano tem uma superstição danada com essas coisas.

O corinthiano sabe que existe uma grande conformação energética para que aquela bola consiga entrar de maneira sofrida no gol, no último minuto de jogo. Não é por acaso que viramos jogos impossíveis. Que superamos adversários economicamente e tecnicamente superiores. Tem muita coisa envolvida.

E o bandeirão no lixo, além de doer na alma e no coração, só pode trazer presságios, agouros, vibrações e sentimentos ruins.

Existem certas coisas que não se faz. Palavras que não devem ser ditas. Comportamentos que não devemos ter.

Se o descarte inadequado e infeliz do bandeirão do “TIME DO POVO” demonstra ser sintomático dos dias em que vivemos, desejo também que o resgate dos bravos torcedores que foram até o lixo para recuperar a bandeira, seja também o bom presságio de novos dias.

Que nosso torcedor perceba que só ele pode tomar o clube em seus braços. Só ele pode entender que mesmo com tanta lama, com tanto drama, com tanto esquema, com tanto tema, a gente vai levando essa vida e a gente pode recuperar o nosso Corinthians.

Pois o Corinthians que a gente enxerga “eles” descartam. Não veem valor. Não veem sentido. Aqui reside a nossa força.

Sim, é desagradável entrar no meio do que esta sujo. Mas nós conseguimos enxergar que entre tanta coisa ruim existe um tesouro. É como entrar no meio de um lixão e encontrar o próprio álbum de família.

Nada pode ser mais encantado em nossas vidas do que o Corinthians.

Que esse acontecimento seja o nosso estalo para que juntos carreguemos o Corinthians em nossas costas e que unidos caminhemos na mesma direção, sabendo que sozinhos não somos ninguém e que ninguém pode ser maior do que o Corinthians.

Vai Corinthians!

Veja mais em: Torcida do Corinthians.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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