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Eita! Por que já não podemos reclamar?
Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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Eita! Por que já não podemos reclamar?

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Eita! Por que já não podemos reclamar?

1968: torcedores se revoltam contra gestão de Wadih Helu

Foto: Memória Diários Associados

Depois da demissão do técnico Sylvinho, que já comentei em outro artigo, uma galera deu de esculhambar a própria torcida. É "modinha", é "turma do amendoim", é "corneta", isso e aquilo...

Quer saber? Esse tipo de patrulha de conduta me enche os pacovás. Como se a torcida devesse se comportar como os noviços de um convento beneditino. Fala sério...

Estamos vivendo numa economia arruinada, milhões estão desempregados, tem família na fila do osso e essa danada pandemia nos detona a paciência há quase dois anos. Como esperar que, no esporte, sejamos exemplos de elegância no palavreado?

O futebol, por natureza, tem essa pegada do afloramento espontâneo das emoções. A gente gosta ou não gosta. Quando gosta, aplaude. Quando não gosta, xinga mesmo. É assim aqui, no Japão, na Inglaterra, em qualquer lugar onde rola a bola.

Agora, vejam só. Interessante como o "modus maximus" de uma instituição pode ser adulterado com a passagem do tempo.

Faz tempo que parte da torcida guarda todos os adjetivos negativos justamente para seus semelhantes. Vamos relembrar: começou com a criminalização das torcidas organizadas.

A ideia dessa parcela da Fiel é comprada dos delírios de figuras como Flavio Prado, para quem essas agremiações nada mais são que aglomerados de delinquentes, muitos deles enriquecendo à custa da paixão dos iguais.

Só há santos? Não! Mas há gente bacana nas TOs, supimpa, decente, aos montes. E são esmagadora maioria. Nunca vi o tal jornalista elogiar os trabalhos assistenciais dos GDF, da Estopim, da C12, da P9 ou do CDC.

Noutro campo, surgiu uma "tradição inventada" - conforme alertou o historiador Hobsbawm - segundo a qual nunca reclamamos, nunca levantamos a voz e nunca contestamos a nata dirigente. Nessa visão deturpada, ser Fiel equivale a ser um fanático conformista.

Gente, nunca foi assim. Desde 1910, reclamamos, exigimos, botamos a boca no trombone. Porque quem ama também cuida. Dá para fazer um artigo somente sobre os levantes da torcida corinthiana. Ao mesmo tempo, também elogiamos, exaltamos, veneramos, como convém ao ambiente da pluralidade.

Hoje, no entanto, determinados torcedores ficariam satisfeitos se o alfaiate Miguel Battaglia, nosso primeiro presida, tivesse dito "este é o time dos cartolas, e são os cartolas que vão fazer o time".

Para essa turma, não importa o que o mandatário faça. Pode fraudar, enganar, mentir, corromper, roubar e mandar bater. O delito dos caras é sempre contestado, minimizado ou justificado por algum malabarismo retórico.

Criou-se para isso um estratagema de estigmatização. Para os vigilantes dos bons costumes, quem critica ou alerta não seria corinthiano de verdade, e, sim, um traidor, infiltrado ou politiqueiro ressentido. É nesse ambiente de complacência que se cria um tipo como Mané da Carne.

É evidente que o clamor popular nem sempre está fundado na lógica, na sensatez e na prudência, porque somos humanos e o que nos move é justamente o aprendizado a partir da correção do erro. E vale também destacar que o uso da violência é equivocado, lamentável e constitui, sim, crime.

No entanto, o que nos fez o Time do Povo foi a insistência neste exercício permanente da democracia, da exposição sem censura da opinião, mesmo que divergente.

O irmão Flavio La Selva entendeu o recado, assim como Sócrates Brasileiro e outras figuras, como o próprio Neco, nosso primeiro ídolo, aquele que transformava a cinta em chicote quando pisavam em seu calo.

Cada um de nós, a seu próprio modo, paga, sustenta, suporta e, portanto, precisa ser ouvido sobre o que é nosso por direito. Senão, para que chamar de Time do Povo?

Na maioria esmagadora dos casos, a torcida responde aos estímulos da realidade. Mesmo sem fazer contas, ela sabe quando as coisas vão bem e quando necessitamos de mudanças.

A participação idealizada pelos 1910'ers envolvia debate permanente e participação ativa de todos os associados, conforme a tradição libertária do Bom Retiro.

Já contei aqui sobre joia que é o nosso primeiro Estatuto, o de 1913, obtido pelo professor e pesquisador Plínio Labriola, no qual se obriga o clube a manter uma biblioteca.

Para quem sabe interpretar o tempo, bibliotecas, na época, eram locais de leitura, mas também de troca de saberes, de debates e de planejamento de atividades coletivas.

Foi assim que surgiu, por exemplo, a ideia de erguermos o Estádio da Ponte Grande, em 1918, no regime de mutirão. Caraca, minas e manos, quer coisa mais bonita que essa?!

O que nos falta, agora? Conhecimento da nossa história. Respeito por nosso DNA participativo. Mais atenção ao modelo complexo de engajamento popular e menos bocas salivantes nas gônadas dos pequenos cartolas que se arrogam donos da Nação.

Veja mais em: Torcida do Corinthians e Torcidas organizadas.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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