Sim, houve magia na Copa São Paulo
Opinião de Walter Falceta
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Em um tempo de futebol ultra-mercantilizado, travado, amarrado, ruim de ver, gerido por tubarões especuladores e, muitas vezes, praticado por magnatas descompromissados, a Copa São Paulo resgatou o jogo apaixonado e renovou a esperança no coração dos torcedores.
Depois da péssima temporada profissional de 2016, a descrença havia ocupado o espírito dos fiéis. Porém, neste início de ano, vieram os meninos da base reviver aquilo que nós, brasileiros, já chamamos de “o melhor futebol do mundo”.
Quem foi a Barueri ou grudou os olhos na TV, por exemplo, assistiu a dois excelentes jogos, contra Flamengo e Juventus. Não houve chance ao tédio, ao desinteresse ou à cornetagem.
A final, no velho e querido Pacaembu, reuniu massa imensa, alegre e agitada, sob o sol dourado do fim de tarde.
Como convém ao corinthiano, vivemos o tradicional sofrimento. A superioridade técnica não se convertia em vantagem no placar. Corajoso e aplicado, o Batatais frustrava, uma a uma, nossas investidas no ataque.
Houve intervenção difícil do aplicado arqueiro Gerson. Houve bola na trave. Houve furada no momento da conclusão. Porque, afinal, os nervos jovens sentem a pressão de tantas milhares de vozes.
Se não se gritava o tento tão desejado, vibrava a torcida com a garra e a técnica do onze mosqueteiro.
Os bem velhinhos lembraram dos garotos que hoje vivem céu, mas que já nos encantaram no velho Paca. Recordaram o carrinho de Idário, o drible de Luizinho, o acerto milimétrico na falta cobrada por Cláudio, o cabeceio matador de Baltazar.
Outros menos veteranos assistiram, no cinema da memória, o drible elástico de Rivellino, o calcanhar de Sócrates, a dividida ganha por Wladimir e o gol que Marcelinho Carioca anotou do meio da rua.
Ali, entre os comandados de São Jorge, os diminutivos apenas escondiam a grandeza da trinca ofensiva: Carlinhos, Marquinhos e Pedrinho.
O primeiro marcou de cabeça, no crepúsculo da partida, como convém à mística corinthiana. Esbanjou garbo, lembrando Paulinho na Libertadores de 2012, no duelo contra o Vasco da Gama.
Carlinhos que, nesta Copa São Paulo, parecia um X-Man, lépido, elástico, mago no drible redondo. Nem parece continuação daquele menino que 16 anos atrás levou um tiro que lhe arrebentou o osso da perna.
O Timãozinho desfilou muitas outras virtudes. Aos 18 do segundo tempo, pontada perigosa do adversário. Já ia o vermelho Victor desferir o chute contra a meta de Filipe.
E quem veio desarmá-lo, limpamente? Ninguém menos que o meia Mantuan, esse garoto que joga sério, que tem futebol de gente adulta e responsável.
Veio “la décima”, lógico. Como poderia não vir? Mas a memória gravou também o encontro popular corinthianista no aniversário da maior cidade do Brasil. Magia, pura magia.
A menina do Rio de Janeiro, agora nova habitante da metrópole, foi assistir a seu primeiro jogo do Corinthians. Em um acidente, nas numeradas, feriu a cabeça e precisou de cuidados médicos. Foi parar na Santa Casa. Levou quatro pontos de arrumação.
Traumatizou-se com a experiência no estádio? De jeito nenhum! Curtiu muitíssimo. Planeja frequentar mais e mais, para se misturar ao nosso povão, para aprender com a nossa diversidade. No dia seguinte, escreveu textão para festejar a aventura.
Tinha na bancada a Dona Célia, médica sexagenária que ajudou a implantar o SUS no Brasil. Tinha a mineira que cria bem o pequenino Luan Sócrates, que se dedica à dura labuta para garantir um futuro ao filho querido.
Tinha a Dona Malu, mulher do trabalho, cabeça privilegiada, que espalha a boa mensagem na organizada, que se dedica a difundir uma cultura de paz e justiça entre os jovens.
Tinha o garotão que, aos 22 anos, contava os títulos que já vira o Coringão conquistar. Ah, foram muitos. Muitos comemorados ao lado do pai, sempre no abraço emocionado.
Tinha o casal de paixão recente, que celebrava o primeiro título no estádio. Fizeram fotos. Pretendem guardá-las para sempre.
Tinha o pessoal imigrante da mãe África, funcionários da Inova, empresa de limpeza urbana. Foram cuidar da praça esportiva. O júbilo contagiante, no entanto, quebrou a sisudez profissional.
Enquanto os meninos passeavam com a taça pelo gramado, lá nas grades do portão de entrada, o irmão angolano, uniformizado para a varrição, bailava e vibrava com sua nova paixão: o Sport Club Corinthians Paulista.
E foi assim que ganhamos as ruas, que batucamos na Charles Miller, que exercitamos mais uma vez a fraternidade, que fortalecemos amizades, que fizemos valer a máxima de Battaglia: “este é o time do povo, e é povo quem vai fazê-lo”.
Que venha o décimo primeiro!
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.