Fabricio7
Muito bom! Tem talento pra contar histórias através da escrita.
em Bate-Papo da Torcida > A chorona do Canindé
Em resposta ao tópico:
Tinha um brother que a gente chamava de André Pancada. Ele havia consumido alguma substância diferente e ficou uns dois meses sem falar coisa com coisa. Daí o apelido.
Corintiano, começou a me chamar pra ir em jogo da copinha com ele. Eu era um adolescente duro, estava desempregado e não tinha muito o que fazer em casa.
Fomos ver Corinthians x Botafogo PB no estádio do Ibirapuera. Só que o estádio do Ibirapuera não estava preparado para a fiel. Aquela desgraça balançava mais que o Morumbi.
Timão eoooo, Timão eoooo, Timão eoooo, Timão eoooo... E o negócio balançando pra trás e pra frente.
E foi 6x0, fora o show. Tinha um corintiano entre nós que ficava gritando 'Oh conterrâneo!'.
Acho que ele era paraibano.
O Corinthians classificou em primeiro do grupo. Eliminou o Vitória e nas quartas jogou contra o Santo André no Canindé. Outro chocolate, 5x0. Venceu suado o Guarani, por 2x1 na semi. E a final, seria contra o Lousano Paulista de Jundiaí.
Foi num domingo, jogo às 16 horas.
Chegamos no Canindé mais cedo, o tempo feio, fechado.
Descemos na estação Tietê e atravessamos a pé a ponte do Cruzeiro do Sul. Só que folgados como éramos, fomos no meio da rua, fechando o trânsito. A PM veio com as barcas e os cassetetes dando pancada em quem estivesse na rua. Não deu tempo de pular a mureta, tomei uma pancada nas costas.
Seguimos, aquela pancada doía que só. Levantei a camisa do Corinthians e mostrei as costas para o André Pancada. Perguntei se ficara a marca, ele falou que se fizesse um número 4, ia parecer um zagueiro do Vasco.
Chegamos no Canindé e compramos o ingresso. Ainda era ingresso de papel.
Pegamos o que sobrou de dinheiro e compramos dois dogão. Vinha com KiSuco refil. Acho que o BK tirou a ideia, dos dogão de estádio. Ainda ficou o dinheiro pra comprar o bilhete integração ônibus-metrô, pra voltar pra casa.
Um pouco antes de liberarem os portões, começou a chuva. Mas uma chuva absurda. Não tinha dinheiro pra comprar capa.
E chuva, chuva, chuva, chuva.
Na hora de entrar, o ingresso esfarelara no bolso.
A polícia não queria deixar a gente passar. Começou um empurra-empurra.
Passei entre dois cavalos do choque, levei mais duas borrachadas. Uma no braço, outra nas costas. Mas entrei. O André Pancada aproveitou a onda e veio junto.
Pediu pra eu mostrar as costas, pra ver se tinha formado um X. Eu mandei ele a m****, fomos pra arquibancada.
Só conseguimos ficar atrás do gol, já estava tudo cheio. E a chuva não parava um minuto.
Primeiro tempo horroroso naquele pasto. Segundo tempo horroroso naquele pasto.
Prorrogação. A chuva não parava.
Eu morrendo de frio. A gente se juntou com umas meninas e ficamos encostados, aquecendo uns aos outros.
Na nossa frente, o Deco (aquele do Barcelona) jogando com a camisa 9, fez uma jogada pela ponta e cruzou. O Washington cabeceou para o fundo do gol.
Pulamos como se não houvesse amanhã.
Comecei a chorar. Uma menina que estava encostada em mim, também.
Mas no segundo tempo da prorrogação, um tal de Neno acertou um pombo sem asa, no ângulo.
1x1, pênaltis.
Perdemos de 4x3.
Pedi um beijo pra menina que chorou comigo, ela não quis dar. Disse que seria o beijo mais triste da vida dela e que não queria lembrar de mim daquele jeito. Falou para eu memorizar o telefone dela.
No caminho de volta, o André Pancada ficava falando números aleatórios para eu não conseguir memorizar.
Disse que ia dar azar para o Corinthians naquele ano de 97, se eu saísse com a chorona do Canindé.
Só me lembro que ela morava na Vila Maria, nunca mais a vi.