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Sobre Vítor Pereira e a divina encrenca do Corinthians
Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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Sobre Vítor Pereira e a divina encrenca do Corinthians

Vítor Pereira mantém o Corinthians vivo nas três competições

Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians

Fala, galera. Vamos falar um "poucadinho" do Vítor Pereira? O que me vem à cabeça é a "Geringonça". É a improvável, esquisita e confusa coligação de partidos que compôs, a partir de 2015, o governo dos patrícios.

Foi uma zona. E ainda é. Muita coisa se projeta e não se aplica. Muita coisa se aplica de modo não combinado. Eles brigam. Estão sempre insatisfeitos uns com os outros. Tudo está sempre um "poucadinho" errado.

Mas o mais incrível de tudo isso é que a "geringonça" e seu spin-off, com motor pipocando e imensa emissão de fumaça, funciona. Nunca funciona como o planejado, mas dá resultados. E Portugal avança, aos trancos e barrancos.

Pode conferir, vemos muito da geringonça na comissão técnica do Corinthians, mesmo à beira do campo. Vitor Pereira escreve, escreve, escreve, durante o jogo, como se seu "livro" fosse mudar uma jornada ruim de Giuliano, Raul Gustavo ou Róger Guedes.

Na verdade, ele pensa escrevendo. Aquilo ali não é estratégia. É ideia rabiscada. É desespero com nome. É Camões no futebol, enfrentando a tragédia do mar revolto.

Pode ver que o banco do Corinthians é uma profusão de lusitanos bravos berrando o tempo todo. É o cara de cabeça branca, o simpático rapaz de óculos e o mister. Por vezes, Almeida é quem está dando suas ordens, junto com os tapinhas nas costas dos entrantes.

Os jogadores estavam numa nhaca danada. E botaram um esquema west point de treinamento. Ou o esquema dos soldados que lutavam em Moçambique em priscas eras, esgotados até a morte. Para uns, deu certo. Para outros, aqui, uma montanha de contusões.

Aos poucos, como nas balbúrdias políticas de Antonio Costa e coligados, as coisas vão se acertando. Mas sempre com o carro em movimento. É assim que os lusos trocam pneu, pendurados na janela da van da quadrilha de morte.

Mas por que tem de ser assim? Vou contar para vocês. Certa vez, em Lisboa, passei dias debatendo com o divertido maluco dono da pensão. Eu achava que ele não falava coisa com coisa. Mas, de repente, ele me surpreendia com uma joia filosófica, uma grande sacada.

Ele me explicou algo importante: "nós, portugueses, não lemos o manual de instrução". E justificou: "não gostamos disso, porque somos teimosos e achamos que já sabemos resolver o problema". Ele não dizia aquilo como uma crítica ao ethos de seu povo. Para ele, os manuais eram chatos, mal escritos e, com frequência, davam instruções burras. Portanto, segundo ele, o mais sensato era seguir a intuição.

Bom, a gente tem visto isso aqui. Um monte de vezes, vimos a escalação e a primeira palavra que pronunciamos foi: "naaaauuuuum, ai meu Deus". E muitas vezes deu errado mesmo. Assim como as composições de linhas, que vez ou outra, fazem a lambança que resultou no segundo gol do Ceará, em jogo recente.

Eles não admitem publicamente, mas vão aprendendo, do modo português, sem método cartesiano, basicamente no mesmo empirismo que empurrou Cabral para a costa da Bahia e que levou Vasco da Gama à negociação-treta absurda com o samorim de Calicute.

Antes de dar certo, admitia o veterano da pensão, as coisas costumam dar muito errado. Ou dão errado mesmo enquanto dão certo. E ria, enquanto enaltecia o Benfica, que julgava, enquanto esquadra, superior àquela de Pelé. Segundo ele, a Espanha falhou. Sua colônia virou um monte de países. Já Portugal triunfou, mantendo a unidade do imenso Brasil.

Vítor Pereira e sua geringonça cometeram esses acertos no jogo épico contra o Boca, na Bombonera, por exemplo. Um time esfarrapado, mas ele confiou em Gil, que resolveu na zaga e ainda confirmou a classificação com um gol na série alternada de penais.

Nesse domingo, estávamos sofrendo lá no Mineirão. Maycon e Giuliano errando muito, na marcação, na saída de bola, no passe. Pois ele sacou os dois (gênio!), e o setor ganhou musculatura com Roni e inteligência com Cantillo. Adson driblava muito para o lado. Ele botou ali Giovane, que seguiu em linha reta, tomou a pernada do galista e sofreu o pênalti que nos garantiu a vitória.

A gente critica as escolhas porque ama o Coringão, e todo mundo pensa saber a solução. Que divina encrenca, como dizia o escritor Juó Bananére, aquele que fazia sucesso nos primórdios da saga corinthianista. Afinal, este é um país de 213 milhões de técnicos de futebol. E também porque herdamos a teimosia lusitana e essa repulsa por manuais de instrução. Somos todos tão portugueses quanto Neco, nosso primeiro e irascível ídolo.

Que sejamos, pois, todos, torcida, comissão técnica e jogadores, uma imensa geringonça, muito imperfeita, cheia de gambiarras, como a camicleta maluca de Shazan Xerife e Cia. Mas que cheguemos ao destino. Navegar é preciso. Submeter-se à lógica nem sempre é preciso. Vai, Corinthians!

Veja mais em: Vítor Pereira.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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