Como evitar o apequenamento do nosso Corinthians
Opinião de Walter Falceta
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Vou dizer para você, caro leitor, do fundo do meu coração, não engulo derrotas em que o nosso Coringão se mostra frágil, apático, retraído e desprovido da vontade de vencer.
Meu avô calabrês, um pintor e músico de alma generosa, viu o time surgir da gente trabalhadora do Bom Retiro, e repetia com orgulho: "para nós, o outro time nunca é favorito, porque nós temos mais raça e coragem".
Eu e muitos outros corinthianos fomos educados assim, para empurrar o time em qualquer situação e sempre acreditar na vitória, mesmo debaixo de chuva, mesmo com um homem a menos, mesmo com o juiz ladrão, mesmo com o goleiro contundido, mesmo com a força avassaladora do adversário.
O colega Celso Unzelte costuma salientar o fato de que vários outros clubes populares surgiram no início do século passado, mas somente o Corinthians sobreviveu. Por quê?
Ele mesmo responde: "porque vencia". Se éramos costureiras, alfaiates, ferroviários, estudantes, funcionários do desinfectório, lavadeiras no Glicério, doceiras, operárias, padeiros e donos de modestas lojinhas, as dores crônicas do cotidiano eram curadas pelos triunfos de nosso representante no ludopédio.
O Corinthians sempre foi o caminho de redenção do povo que construiu a sociedade industrial brasileira. Nossa agremiação incluiu os irmãos negros no esporte, engajou associados na luta contra a Gripe Espanhola e sempre teve um papel social e cultural importante naquela que se tornaria a maior cidade do Brasil. Por decisão estatutária, de 1913, criamos uma biblioteca com obras sobre os mais diferentes assuntos. Motivo? Contribuir para a educação dos associados.
Esse projeto coletivo, holístico e ambicioso incluía ignorar o impossível (e tornar toda conquista possível). E foi justamente o que seduziu gente de todas as classes sociais, credos e ideologias.
Pois o Corinthians destemido, era a aspirina do advogado da Praça da Sé que havia perdido uma causa, era o bálsamo calmante do médico que chorara a morte de uma menina pela poliomielite, era o consolo do pintor do grupo Santa Helena que, no fim do ano, não tivera recursos para montar sua tela e produzir suas tintas.
Caro leitor, estas não são criações da ficção poética, mas visões recuperadas da realidade. Eu e você precisamos sempre de uma grandeza que nos represente. Necessitamos de algo que seja maior do que nós, que nos transcenda, que potencialize nossas virtudes e encaminhe a realização alegórica de nossos sonhos.
Assim era o nosso primeiro super torcedor, o Tan-Tan, que perdera uma perna no bonde, mas ainda assim se convertera em exímio nadador. Assim era a maravilhosa Elisa, nossa torcedora símbolo, proletária, amorosa e valente.
Nunca nos rendemos, mas exigimos sempre a linha alta das expectativas. Almejamos o título, o primeiro lugar, pois como ensina o próprio hino do Corinthians, este é o Campeão dos Campeões.
Quem se conformasse com o segundo lugar veria, lá atrás, inflamar-se o nosso querido Neco, cinta em punho, para punir qualquer covardia. Depois, La Selva e os jovens torcedores constituíram uma frente dinâmica para contestar os cartolas desonestos e resgatar o esplendor de nossa agremiação.
Basta ler os comentários deste Meu Timão para perceber que o DNA de nossa gloriosa torcida está preservado. Uma parcela, no entanto, deu de conformar-se com o fracasso, de dar crédito às desculpas dos dirigentes e de contentar-se em assistir ao Corinthians como mero coadjuvante no cenário esportivo nacional.
Do alto da passividade, alegam que esta é a nossa realidade. Ora, eu ouso discordar! O Corinthians tem a maior torcida do estado mais rico da federação. E não é uma massa qualquer. Ela é apaixonada e atuante. Compra ingressos, adquire produtos licenciados, assina o pay-per-view e auxilia até assistindo à TV aberta, pois justifica o investimento dos patrocinadores do espetáculo.
Potencialmente, o Corinthians é a maior agremiação do futebol do Brasil. Muitas vezes, no entanto, desperdiça seus recursos em razão da péssima governança corporativa, de negócios escusos e da estupidez de algumas de suas lideranças.
Eu pergunto a você: que sucesso se pode esperar de um clube que tem como conselheiro vitalício e manda-chuva uma figura como Mané da Carne? Sim, é aquele que prometeu esmurrar mulheres que discordem de seus delírios de ignorância. Como garantir justiça de uma comissão de ética liderada por André Luiz Oliveira?
Se uma empresa não agrega competência e responsabilidade nas figuras do CEO, do CFO e da diretoria executiva, é natural que se perca qualidade, escala, velocidade, share de mercado, valor de marca e lucratividade. Pois não é diferente no negócio do futebol.
O grupo que aí está procura, de todas as formas, apequenar o meu, o seu, o nosso Corinthians. Temos uma dívida de mais de um bilhão de reais, sem contar o que nos falta pagar pela arena de Itaquera.
Nossa história recente é de boletos não pagos, rachadinhas, fraude eleitoral, ações às pencas na justiça, contas reprovadas e nenhuma transparência nos contratos com parceiros da instituição. Enquanto isso, mesmo sem cargo diretivo, o sacripanta do açougue segue sua vida nababesca acompanhando a equipe pelo Brasil. No baile que tomamos do Atlético MG, via-se ele, todo pimpão, na área VIP dos visitantes.
Nossa história centenária é de veemente repúdio a esse tipo de abuso. Parte da torcida, no entanto, hoje se ilude com os bustos inaugurados aos montes no Parque São Jorge. Justas e atrasadas homenagens. Nas fotos, entretanto, a cartolada aproveita para iludir os otários e fazer merchandising de si própria.
É triste ver parte da Fiel (minoritária, eu diria) conformada com mais um fracasso diante do Flamengo. Confira nosso vergonhoso retrospecto recente diante do rubro-negro carioca.
É revoltante a cômoda visão que admite o apequenamento, que comemora a permanência na Série A, que enxerga como conquista máxima uma vaga na Libertadores e que festeja uma derrota por placar mínimo.
O new corinthianer pensa pequeno e, assim, passa pano para os desmandos da cartolada do Parque São Jorge. Confunde fidelidade com vista grossa, resignação, submissão e omissão.
Não basta, pois, ser corinthiano, ou seja, um mero torcedor. Penso que é preciso também ser corinthianista, isto é, honrar os valores fundamentais da instituição pujante, destemida, que encantou e empoderou gerações em mais de um século de grandeza. Estabelecer uma nova fase de ascensão? Depende de todos nós.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.