Na fase ruim dá mais vontade de vestir o manto
Opinião de Juliano Barreto
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Você sabe, não existe sensação comparável a sair de casa vestindo a camisa do Corinthians. A partir do momento que o escudo centenário fica alinhado ao coração, você dá o primeiro passo para fora de casa e o mundo começa a sofrer uma metamorfose.
O ato de externalizar o sentimento de ser corinthiano me faz pensar no Marcelinho falando em segunda pele, no Zé Maria jogando coberto de sangue, no Doutor Sócrates levantando o punho embaixo de chuva e de Ditadura. Me faz lembrar que gastei meu primeiro salário para comprar a minha primeira camisa oficial --e que com essa camisa tirei a foto para o meu primeiro RG.
Vestir o manto traz a recordação dos tempos em que clássicos tinham duas torcidas e era preciso esconder a camisa para não ser espancado no caminho de casa para o estádio. Era questão de vida ou morte, e a gente escolhia se arriscar para fazer essa declaração de amor toda quarta e domingo.
E quem esquece o dia 05 de Julho de 2012? Sim, o dia seguinte da conquista inédita da Libertadores. O dia em que nem a maior ressaca do mundo impediu os corinthianos de caminhar pelas ruas desfilando em preto e branco, com a cabeça erguida e a expressão de triunfo de um imperador romano recém-empossado.
Tem tudo isso e muito mais. Mas pessoalmente o momento que mais pesa --e que eu mais gosto-- é de vestir a camisa no dia seguinte a uma derrota.
Pode ser eliminação em mata-mata, goleada sofrida em clássico, vexame em casa contra time do interior. Não importa. Nesses dias escuros é quando você se sente mais corinthiano. Você podia se esconder, tentar esquecer de futebol, e dar um pouquinho mais de atenção para a namorada, o trabalho, sua saúde, a roubalheira dos políticos ou o preço da gasolina. Mas não. Parece uma obrigação inescapável mostrar que não existe resultado capaz de alterar essa paixão que dura a vida toda.
Escrevo isso aos mais novos, que talvez ainda não estejam acostumados a esse sofrimento bonito. É óbvio que o Corinthians dos últimos três anos não é o Corinthians que queremos ver. Ao mesmo tempo, esse é o momento em que fica escancarada a diferença entre o Corinthians e todos os outros. Foi numa fase parecida com essa de agora, que em algum momento do segundo semestre de 2004, a torcida começou a cantar “Corinthians minha vida, Corinthians minha história, Corinthians meu amor”.
O time vinha muito mal naquele ano, com trocas de técnicos, repetidos vexames em campo, um elenco fraquíssimo, a diretoria perdida, os cofres vazios. Ainda assim, Tite colocou ordem na casa e começou a resgatar o sentimento mais corinthiano de todos, o prazer de ir ao estádio para ver o Corinthians jogar. Precisamente isso. Ver o Corinthians jogar basta. Não precisa encantar, bater recorde, levantar troféu, servir de vitrine para craques, gerar memes.
De pouco em pouco, os jogos do Campeonato Brasileiro começaram a ficar mais e mais lotados. A campanha do Corinthians não era grande coisa. Os resultados invariavelmente eram 0x0, 1x0, 1x1 e 0x1. E ninguém estava se importando com a colocação na tabela. A torcida lotava o Pacaembu para ver o Corinthians jogar. Se perdesse, sem problema. Quarta e domingo estaríamos lá de novo.
Criou-se uma eletricidade tão palpável, que um câmera flagrou o detalhe do Tite batucando a mão em cima do telhadinho do banco de reservas e movendo a boca no ritmo do canto da torcida, como se estivesse rezando. “Corinthians minha vida, Corinthians minha história, Corinthians meu amor”.
Ser Corinthiano não tem nada a ver com resultado, com balanço financeiro, com número de taças ou com a duração de um tabu.
Se você ainda não viveu isso, essa fase horrível dos últimos anos está apenas te dizendo todo dia: Bem-vindo ao Corinthians.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.
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